Por Marina Souza
No século 19 o quÃmico sueco Svante Arrhenius já concluÃa que a era industrial movida a carvão iria contribuir para o aumento do efeito estufa natural do planeta Terra. Mas só em 1975, o cientista americano Wallace Broecker emplacou o termo “aquecimento global” no domÃnio pUblico ao usá-lo no tÃtulo de uma de suas pesquisas. Â
Apesar de ser um fato pautado pela ciência há quase um século e pela ONU desde 1988, ano da criação do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), o tema ainda não é facilmente interpretado pela população em geral, em especial pelos mais afetados pelo fenômeno – os povos tradicionais e indÃgenas em situação de vulnerabilidade. Ã? mandatório que esta pauta esteja incorporada no nosso dia a dia, e se engana quem pensa que é uma preocupação somente do setor ambiental: é necessário inserir as mudanças climáticas em todas as agendas para criar uma nova matriz com foco no desenvolvimento sustentável.
Com o Acordo de Paris, assinado por 195 paÃses na COP 21, lÃderes mundiais se comprometeram com o uso racional de recursos para manter o aquecimento global abaixo de 2ºC, ponto a partir do qual cientistas afirmam que o planeta estaria condenado à elevação do nÃvel do mar, eventos climáticos extremos (como secas, tempestades e enchentes) e falta de água e alimentos. A meta principal é ambiciosa: limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC. Â
O objetivo é que o Acordo passe a valer a partir de 2020, mas as mudanças climáticas globais já começaram a ser sentidas em diferentes partes do mundo. No Brasil, por exemplo, sofremos em 2014 com grandes cheias atÃpicas na Amazônia e na região sudeste, principalmente o estado de São Paulo, crise hÃdrica que secou reservatórios e fez a maior cidade do paÃs reavaliar seu sistema de abastecimento e repensar seu consumo.
Para cumprir o Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu a cortar as suas emissões em 37% até 2025, e em 43% até 2030, tendo como base o ano de 2005. O paÃs se propôs ainda a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. No entanto, para que isto aconteça, é preciso também uma forte mobilização na sociedade – tanto para inserção de diferentes setores no debate quanto para conscientização da população sobre os efeitos das mudanças do clima. Por isso, os veÃculos de comunicação têm um papel importantÃssimo: coberturas jornalÃsticas de qualidade e aprofundadas para fomentar o debate. Nós precisamos falar sobre mudanças climáticas.Â
Dados apontam que o fenômeno já ganha mais espaço nos jornais brasileiros. A Folha de São Paulo, por exemplo, saltou de 129 notÃcias sobre o assunto, entre os anos 2000-2001, para 919 entre 2009-2010. No entanto, será que estamos comunicando o problema de maneira correta? Como os veÃculos podem tratar esta temática com mais liberdade editorial?Â
De acordo com os dados do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa (SEEG), que traz dados até 2015, a atividade agropecuária representa um total de 69% das emissões brasileiras. Em seguida, destaca-se o setor de energia, segunda maior fonte de emissões da economia brasileira. Uma das soluções está no investimento em energias renováveis, que poderiam pesar no bolso do consumidor e ser tratadas como pauta negativa nos jornais. Cabe a nós pensar: como deve ser a nossa abordagem ao tratar destes temas? Além disso, é impossÃvel ignorar um fator: apesar de escritos por jornalistas, os jornais pertencem a empresários e, em sua maioria, dependem dos anUncios publicitários de corporações e interesses. Como garantir qualidade e imparcialidade na grande mÃdia? Ã? difÃcil dizer mas “não existe almoço grátis”, como dizem os norte-americanos.
Especialistas apontam ainda que o crescimento das emissões brasileiras está também relacionado ao desmatamento na Amazônia, que aumentou 24% entre 2014 e 2015 de acordo com dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Mas nós, jornalistas, damos pouquÃssimo destaque à s florestas – nosso principal tesouro e aliado no combate à s mudanças climáticas.
Outro fator que deve ser mencionado é a forte crise que atingiu os veÃculos de comunicação de massa, marcada pelos chamados “passaralhos”, demissões em massa que fecharam dezenas de veÃculos e editorias pelos jornais no Brasil. O Amazonas, por exemplo, estado com maior área de floresta amazônica conservada, não tem, atualmente, em nenhum dos seus três principais jornais impressos uma editoria especÃfica de meio ambiente e sustentabilidade. A agenda socioambiental deixou de ser prioridade nos veÃculos de comunicação de massa, ficando reservada no máximo aos cadernos especiais de domingo e a notÃcias sobre lançamentos de relatórios cientÃficos, que não bem contextualizadas acabam por não causar interesse no leitor leigo sobre o tema.
Na contramão das tendências da mÃdia tradicional, é preciso destacar o importante papel desempenhado por novas plataformas de comunicação. Com as demissões em massa, surgem cada vez mais iniciativas do chamado “jornalismo independente”, que ganham espaço tratando, de maneira crÃtica e cientÃfica, de temas que poderiam ser barrados pelos donos de jornais ou engolidas pelos factuais no ritmo frenético das redações. Somente na área socioambiental e de direitos e desenvolvimento humano podemos citar alguns como Envolverde, O Eco, Amazônia Real, Jornalistas Livres, Agência PUblica, Ponte, InfoAmazônia, e Conexão Planeta.Â
Estes veÃculos, que apostam na democratização da informação, aliados do ciberativismo, têm um potencial real de fomentar o debate sobre mudanças climáticas. Cabe a nós, jornalistas e ativistas, abraçar estes meios de comunicação como aliados na luta pelo esclarecimento da sociedade e para pressionar nossos lÃderes e tomadores de decisão. Devemos apoiá-los com o acesso a informações técnico-cientÃficas, que muitas vezes ficam trancadas em laboratórios de centros de pesquisa, facilitando a participação nas coberturas voltadas para o desenvolvimento sustentável e cumprimento do Acordo de Paris. Devemos colocar em pauta não só orçamentos para medidas de combate à mitigação e adaptação do clima, mas também para a comunicação destas ações. Quem sabe assim a população tenha mais chances de entender efetivamente os efeitos das mudanças climáticas e se unir a cientistas e a ativistas: temos que ficar abaixo de 1,5ºC.